Ambiente digital é hostil às mulheres
Internet, que poderia ser libertadora, reproduz e amplifica a lógica patriarcal que tenta silenciar vozes femininas.
4 de junho de 2025

4 de junho de 2025
A internet nos prometeu liberdade. Mas, para muitas mulheres, virou uma nova forma de prisão. Em vez de um espaço seguro de expressão, as redes sociais têm se tornado terreno fértil para ataques, assédio, silenciamento e vigilância constante. Diante desse cenário, proponho um novo conceito: hipervulnerabilidade feminina.
Não se trata apenas de vulnerabilidade, mas de algo maior, uma condição estrutural e desproporcional de risco a que mulheres estão submetidas no ambiente digital. É a exposição sistemática à violência de gênero nas redes — mais intensa, mais frequente, mais devastadora que noutros grupos. É uma hiperexposição ao julgamento moral, ao ódio, à ridicularização pública. É o silêncio como medida de autoproteção.
Os números escancaram o problema. Segundo o Datafolha a cada dez mulheres brasileiras, quatro já sofreram algum tipo de violência on-line. Quando recortamos o dado para mulheres negras ou trans, a situação é ainda mais grave. Não se trata de casos isolados, mas de padrão recorrente e previsível, muitas vezes naturalizado por quem assiste e até por quem sofre.
O que agrava essa realidade é o próprio funcionamento das redes. Os algoritmos priorizam o que gera engajamento, e nada engaja mais que o escândalo, o ódio, a humilhação pública. Uma mulher que denuncia um agressor, que se posiciona politicamente ou que expõe o próprio corpo fora dos padrões de submissão vira alvo. E, quanto mais ela tenta se defender, mais visível se torna para os agressores. Essa foi a conclusão do professor de Harvard Lawrence Lessig, em palestra no STF expressando que “a política do ódio gera mais engajamento”, sugerindo a criação de assembleias de cidadãos para adaptação de nossa democracia a um ambiente protegido contra as influências da inteligência artificial.
É como se as plataformas tivessem criado um palco onde mulheres só podem existir sob risco. O meio digital, que poderia ser libertador, reproduz e amplifica a lógica patriarcal que tenta silenciar vozes femininas há séculos. A diferença é que agora tudo acontece em velocidade e escala vertiginosas — com pouca ou nenhuma responsabilização.
Laura Bates, escritora e ativista britânica, em seu livro “Men who hate women”, expôs sua própria dor quando foi atacada na internet. Sua descoberta: comunidades on-line misóginas, como os incels e fóruns da “manosfera”, inclusive em escolas. Grupos masculinos altamente agressivos e violentos, chamando a atenção para a necessidade de intervenção pública para educar e estancar os comportamentos violentos.
Essa hipervulnerabilidade gera consequências reais. Ansiedade, depressão, afastamento das redes, abandono de projetos, autocensura. Muitas desistem de ocupar espaços públicos ou de se expor em debates relevantes por medo do linchamento digital. A violência on-line vira uma forma de controle social.
Mas há algo potente em nomear. Quando damos nome a uma dor coletiva, a transformamos em denúncia. Cartas abertas, formação de coletivos e ativismo em casos públicos são atitudes que precisam ser assumidas por todos os que se indignam com a violência. Reconhecer a hipervulnerabilidade feminina como fenômeno estrutural é o primeiro passo para responsabilizar plataformas, cobrar legislação eficiente, criar redes de acolhimento e exigir políticas de moderação com viés de gênero.
O ambiente digital é a nova praça pública, e não podemos admiti-la como território hostil para metade da população. Toda mulher tem o direito de existir nas redes com liberdade, dignidade e segurança.